Prestes a completar 50 anos, Cemitério Municipal guarda histórias curiosas
Por Cristian E. Aguazo
Fotos Marcelo Bianconi
Fundado em 10 de março de 1966, o Cemitério Municipal completa 50 anos amanhã. Embora seja um rico espaço para pesquisas de cunho social e histórico, cemitérios geralmente não são muito mencionados nas conversas do dia a dia e não entram na pauta jornalística com muita frequência.Em Guaíra, porém, o cemitério tem tido nos últimos anos um espaço cativo nas discussões políticas. Isso porque há tempos é ventilada a necessidade de disponibilização de um novo cemitério municipal. Para dar sobrevida ao tradicional cemitério, a gestão 2013-2016 inaugurou em 2014 o Ossário Paulo Cezar Zeballos Rolon, que homenageia um famoso personagem guairense. ?Assim, com o Ossário, ganhamos espaço e conseguimos garantir por mais alguns anos o nosso cemitério. O nome do Paulinho foi uma justa homenagem, já que ele era um frequentador de velórios e muito querido na comunidade?, comentou Luiz Jardim, diretor de Administração.Um cemitério é sempre um espaço que revela memórias e marcas da sociedade em que está inserida. Guaíra, cidade de uma riqueza histórica ímpar, está de certa forma traduzida em seu cemitério.Chama a atenção, por exemplo, a quantidade de lápides com a escrita japonesa, a presença árabe e até mesmo a disparidade entre grandiosos e humildes túmulos, marca inequívoca do contraste social brasileiro.A religiosidade, obviamente, está em evidência. O estilo cristão é praticamente o padrão, mas também existe espaço no cemitério para a presença da religiosidade de matriz africana. Em 2012, um bode com a cabeça decepada foi encontrado na porta do cemitério. O episódio rendeu a capa num dos principais jornais da cidade.E há casos ainda mais interessantes, como o dos três corpos que nunca foram identificados, cujos túmulos permanecem ?em branco? até hoje. As três pessoas anônimas foram vítimas da maior tragédia do Paraná, em janeiro de 1982, quando uma ponte do antigo Parque Nacional de Sete Quedas não resistiu ao excesso de visitantes, que vinham a Guaíra se despedir das míticas cataratas do rio Paraná. Na época, 32 pessoas morreram.As inesquecíveis Sete Quedas, aliás, fizeram muitas vítimas. Sua beleza estava associada à força de suas águas e à altura de seus paredões. Em 1974, a barcaça de Pedro Segura Aldana levava passageiros de Guaíra para o Mato Grosso do Sul. Navegar no rio Paraná, contudo, é arriscado até hoje. A neblina daquele dia confundiu o experiente marinheiro, e quando ele percebeu, estava sendo tragado pela correnteza do Paranazão. Impotente, e para desespero dos passageiros, o barco foi levado em direção às poderosas cachoeiras. Pedro ainda resistiu, isolado à beira do abismo, em cima uma pedra. Os dias passaram até que um helicóptero identificou o único sobrevivente da tragédia. Do helicóptero, uma corda foi lançada em direção ao homem. Ele se amarrou e foi puxado. Quando estava já prestes a ser alcançado pela equipe de resgate, a corda que prendia Pedro se soltou e ele foi enfim engolido pelas Sete Quedas.Histórias. Das tragédias guairenses, muitas são lembradas até hoje. O funeral do acidente que vitimou os professores Jaime Rodrigues, Ana Maria Roggia, Terezinha Pauluchi e Maria Bolwerk ainda é muito lembrado pelos veteranos da educação. E quem é que não se recorda da fatídica chacina do dia 22 de setembro de 2008, quando 15 pessoas foram brutalmente assassinadas??Foi tão chocante que uma patrola teve que ir até o cemitério para garantir espaço para as covas de 15 pessoas simultaneamente?, conta Evandro Sergio Pedroso, cidadão que já trabalhou no cemitério e que frequenta o espaço, por quem garante ter uma inexplicável ligação.Outros profissionais também marcaram época. É o caso do coveiro Abraão Gimenez, já falecido, e de José Alves de Miranda, há 20 anos ajudando na organização e manutenção do cemitério.CuriosidadesEntre os túmulos mais visitados, estão o de Quinto e Celso Andreis, pai e filho que foram assassinados em julho de 1996, e o de dona Lucila Suarez Arguello, baluarte da Vila Velha.Marcos D?Agostini, jovem guairense vítima de um acidente de trânsito, também é muito lembrado, assim como o empresário Eliaurio Caovilla, o popular ?Maninho? da Barbosa Materiais de Construção.O primeiro túmulo do cemitério é de Amélia Menegassi. Depois dela, várias famílias enterraram seus entes na sequência, no que é chamado por Evandro de ?túmulos pioneiros?, caso das famílias Miani, Friedrich, Rodrigues, Aguayo, Pedroso, Ferraz, Silveira, Nazário, Murata, Ohashi, Matsuyama, Kihara, Futagami, Bueno, Vendruscolo, Britez, Rangel de Lima, Garcia, Shiomi, Gimenez, Nunes, Capatti, Vanin, Moritz e Garicoix, entre outros.E, claro, um cemitério sempre vai ser um prato cheio para lendas, como a do túmulo que vazou sangue porque um homem havia sido enterrado vivo ou do mistério da lápide que vaza água porque o falecido continua em prantos.Os vivos sempre encontram sentido para a morte. E até mesmo beleza. No cemitério, alguns epitáfios sintetizam a poesia triste do momento. ?Florzinha mimosa, tão cedo murchou, foi para outro canteiro?; ?A saudade que ficou e a dor só não são maiores que a esperança e o desejo de reencontro. Que esta vida é apenas passagem e o que importa está no além?; ?Você sempre foi e será um grande amigo, partiu cedo, a cada vez que olharmos o céu e as estrelas brilhando, lembraremos de você?...Com lendas, histórias, fotografias e epitáfios, cemitérios continuam sendo o ?lar? de entes queridos, território do sagrado. Após meio século, 13.740 pessoas estão enterradas no cemitério central. Guaíra possui ainda cemitérios nas comunidades rurais de Oliveira Castro, Bela Vista e Maracaju dos Gaúchos.O Cemitério Municipal foi criado após a desativação dos cemitérios da Companhia Matte Larangeira (onde funciona atualmente o Colégio Estadual Mendes Gonçalves) e do ?quartel?, área militar.