Guaíra luta para manter viva a sua rica história

Foto: Arquivo
Quem passa pela praça Eurico Gaspar Dutra, na Vila Velha,percebe que existe uma antiga locomotiva exposta.
O que pouca gente sabe é que aquele velho trenzinho trazconsigo quase a história toda de Guaíra, então Porto Guaíra, área pertencente àpoderosa Companhia Mate Larangeira.
A primeira ferrovia do Oeste do Paraná está intimamenteligada ao poderio da empresa e terá estreita ligação com dois eventosimportantes para a historiografia brasileira: a Coluna Prestes e a Marcha parao Oeste de Getúlio Vargas.
A origem da ferrovia Mate-Larangeira (com "g" mesmo, por sergrafia antiga e familiar) vem da segunda metade do século XIX, quandoThomaz Larangeira recebeu uma concessão do Império para explorar e transportarerva-mate no Estado do Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul), na região dePorto Murtinho, próximo a Corumbá.
O gaúcho Thomaz Laranjeira era um homem de visão. Comerciante, ajudou aalimentar as tropas brasileiras durante a Guerra do Paraguai. Em terrasguaranis, fez muitos contatos e vislumbrou grandes negócios. A política iriaajudar Larangeira a construir uma empresa próspera. Quando a monarquia deulugar à República, Larangeira foi astuto e se associou a dois irmãos de umafamosa família cuiabana, ambos liberais e republicanos, com influência na entãocapital do Brasil, o Rio de Janeiro.
Joaquim Murtinho, o mais famoso deles, era engenheiro civil e médico.Uma de suas célebres pacientes foi a princesa Isabel. Mas foi como republicanoque Murtinho ascendeu. Senador por duas vezes, Joaquim Murtinho foi tambémministro. Ganhou fama por restaurar a economia do governo de Campos Sales (1898 - 1902) e disputou com Rui Barbosa uma indicação do partido para a presidênciada República. Acabou preterido, mas gravando definitivamente seu nome nos anaisda história.
A família Murtinho, ressalte-se, gostava de finanças. Joaquim e seuirmão Francisco Murtinho (este último leva o nome de uma importante rua emGuaíra) dirigiram o Banco Rio Mato Grosso, extinto em 1902, justamente quando aCompanhia Mate Larangeira desiste de enviar erva-mate para a Argentina viaParaguai e resolve apostar no escoamento via rio Paraná, fundando o PortoMojoli (os paraguaios falavam Monjoli, com "n". E é com "n" que está grafadauma importante rua da cidade), mais tarde rebatizado de Porto Guaíra.
O Banco foi o principal financiador de muitos projetos da Companhia, queiria receber ainda mais impulso quando o português Francisco Mendes Gonçalves,radicado em Buenos Aires, decide virarsócio da empresa.
Francisco Mendes Gonçalves era o responsável pela industrialização daerva-mate brasileira na Argentina e também pela exportação de seus produtos(chás e erva para consumo) para o mercado platino e Europeu. Além disso, erabanqueiro e um dos homens mais ricos de Buenos Aires, naquela época a cidademais promissora de toda a América do Sul.
Com os Mendes Gonçalves(homenageados com o nome do mais antigo colégio de Guaíra), a Companhia MateLarangeira se tornou um verdadeiro império. Não é exagero dizer que a empresa chegou a ser um Estado dentro do país,com concessão de terras de 5.000.000 de hectares. De 1926 a 1929, para se ter umaideia, a Companhia era tão rica queemprestou dinheiro ao Estado de Mato Grosso.
A Mate Larangeira, que anos antes antecipou o que hoje é oMercosul, construiu cidades e deixou marcas indeléveis, como a Igrejinha dePedra. Nem mesmo a Fordlândia (projeto de Henry Ford no Norte do Brasil) ousoutanto: a sede da empresa, em Campanário, tinha hotel, cinema, salão de festas;e Guaíra tinha hospital, rede de esgoto, luz e até serviço de policiamento jána segunda década do século XX.
A ferrovia
Mas talvez tenha sido a construção da ferrovia a grandeousadia da empresa. Inaugurada em 01º de junho de 1917, a estrada de ferroligava Guaíra a Porto Mendes, do Alto ao Baixo Paraná (um desnível de mais de100 metros abaixo das lendárias quedas).
A notíciasaiu desta forma na revista Brazil Ferrocarril, de 16/7/1917: "Foiinaugurada no Alto Paraná a E F "Decauville", ligando o alto ao baixo rioParaná, numa extensão de 61 km. Esta estrada, construída pela EmpresaLarangeira, Mendes & Co., em consequência de contrato firmado com o Estadodo Paraná, parte de Porto Mendes e termina no Porto Mojoli, desviando assim ascataratas de Guairá, ou Sete Quedas, e unindo as extensões navegáveis do rioParaná desde o Estado de São Paulo até Buenos Aires."
A estação em Guaíra ficava onde hoje é a sede da Copel. Oparque de máquinas ficava à margem do rio, na região da Associação Beira Rio,nas proximidades da Lanchonete da Tininha.
Pelo que se afirma na própria reportagem, asprimeiras locomotivas eram do tipo Decauvillee somente mais tarde máquinas maiores foram encomendadas. A linha tinha abitola de 60 centímetros, medida esta que permaneceu até o final das operaçõesda linha. O local era completamente isolado do resto do Estado, numa época emque a atual Foz do Iguaçu não passava de uma pequena colônia militar defronteira. Entretanto, desde o início do século XX, já havia concessões dadas àE. F. São Paulo-Rio Grande para a construção de ramais ferroviários queatingiriam a histórica cidade de Guaíra, partindo de Irati, Guarapuava e mesmoFoz do Iguaçu.
Segundo opesquisador Ralph Giesbrecht, "com as dificuldades da matainexplorada e a falência da Brazil Railways, que administrava a EFSPRG, essesprojetos foram esquecidos, e somente se voltou a falar deles quando se inicioua construção, em 1923, da E. F. Noroeste do Paraná, antecessora da E. F. SãoPaulo-Paraná. Esta ferrovia partia de Ourinhos e tinha como destino inicial amargem direita do rio Tibagi, na colônia militar do Jataí, dali seguindo paraatingir o rio Paraná".
Giesbrechtcontinua: "durante o período Vargas a empresa entrou em dificuldades devido àproibição da importação de mate pela Argentina e foi encampada em 1944 pelaestatal Serviço de Navegação da Bacia do Prata, criada pelo próprio GetúlioVargas. Em 1956, a pequena estrada tinha seis estações ou paradas: Guaíra,Bandeira, Oliveira Castro, Arroio Guaçu, Três Irmãs-São Luiz e Porto Mendes. Aferrovia, que chegou a ter oito locomotivas a vapor, teve encerradas suasatividades em 1959, segundo algumas fontes, e em 1961, segundo outras.Curiosamente, em 1963, apenas alguns anos depois de sua extinção, ainda setentou o seu reerguimento, com a RVPSC tentando um financiamento parareativação da ferrovia ? e possível prolongamento até a linha da antiga E. F.São Paulo-Paraná, que agora estava em Maringá. Em 1973, quando essa linha, jáentão operada pela Rede Ferroviária Federal, estava chegando com seus trilhosem Cianorte, ainda se falava da união com a cidade de Guaíra".
Não aconteceu. O material da ferrovia foi vendidoem leilão para a Fundição Guaíra, de Curitiba, mais tarde adquirida pelo grupoGerdau.
Das oito locomotivas alemãs e inglesas, a única querestou é a que está exposta na pracinha. De resto, o que sobra são algumasfotos e uma pequena homenagem do Museu Ferroviário no Shopping Estação, emCuritiba. "Esta nossa locomotiva não é nem a mais significativa, pois acompanhia tinha maiores e mais bonitas", relembra Ramon Adolpho Britez,servidor municipal aposentado.
De volta para o Futuro
Cem anos depois da inauguração da linha férrea, Guaíra luta por reaverseu passado de porto importante, de rotaturística e de poderio econômico.
Com o fim das 7 Quedas, com o fim da ferrovia e das exportações via rioParaná, apareceram outros projetos. O maior deles, o de criar um portointermodal, chegou a entusiasmar, mas também não saiu do papel, apesar dosesforços do ex-prefeito Fabian Vendruscolo, que encabeçou a ideia.
A proposta - que contemplaria e integraria osramais ferroviário e hidroviário - era retomar o que uma empresaconseguiu fazer sozinha e há mais de 100 anos.
Todos sabem do potencial geográfico de Guaíra e o que estafronteira representa. Então, a pergunta é: Será mesmo que não temos condiçõesde conquistar esse espaço em pleno século XXI?
Políticas à parte, o prefeito Heraldo Trento já secomprometeu publicamente a dar sequência a projetos importantes, como o da solicitaçãode aumento do repasse dos royalties, das lojas francas e, se possível, o davolta da ferrovia até Guaíra.
Além disso, se comprometeu a cuidar dos prédios históricos,do Museu e da famosa locomotiva.
Cada vez mais em alta, o turismo guairense sabe que precisaapostar no tripé de turismo histórico, ecológico e gastronômico.
Não nos falta belezas e nem história para contar.