Crônica: Todo carnaval tem seu fim

A letra do hino municipal afirma que Guaíra tem seu nome na História. Quem a conhece com certeza concorda, por toda a questão da colonização via Matte Larangeira, passagem da Coluna Prestes, Ciudad Real del Guairá e as Sete Quedas. Mas sabe o que também está gravado na história e quem é mais novo não pode sequer imaginar? É a relação entre o carnaval e a cidade.
É difícil para muita gente imaginar o quão popular foi o carnaval em Guaíra. "Se você contar para um adolescente que Guaíra recebia gente de toda a região para pular o carnaval aqui, provavelmente eles vão achar que você está exagerando ou inventando", afirma Marli Jardim, diretora de Cultura.
Mas é verdade! Dos tempos do antigo Cassino do Exército aos tradicionais bailes do Country Club, o carnaval guairense sempre foi referência. Na época, além do público da cidade, circulavam por aqui gente de Palotina, Terra Roxa, Mundo Novo e de praticamente toda a região. "Guaíra ostentava o título de melhor carnaval da região", garante Marli.
Em meados dos anos 70, surgiu a Escola de Samba Unidos da Vila Velha, formada por uma geração que fez memoráveis desfiles. Foi quando o carnaval migrou para a rua e conquistou um novo público. Dali para os anos 80 e a criação de blocos foi um "upa".
A Era dos Blocos
"Chegou a turma do Funil, todo mundo bebe, mas ninguém dorme no ponto. Ai, ai, ninguém dorme no ponto/Nós é que bebemos e eles que ficam tontos".
Quem viveu os anos 80 e 90 com certeza reconhece o grito de carnaval do maior bloco formado em Guaíra. O Funil trazia centenas de pessoas para a avenida e a coloria com suas cores azul, branco e vermelho. "Eu sempre digo que fiz parte do maior bloco de carnaval da cidade, o mais querido, o mais pegado, ousado, o mais animado", elogia Marcos Binder, professor de fanfarra e mestre de bateria.
O grande rival do Funil era o Tubão, criado por empresários da cidade. O Tubão também fez memoráveis desfiles e sua organização garantia uma competição acirrada com o Funil, mais massificado.
Um terceiro bloco surgiu depois e animou ainda mais o carnaval da cidade. Era o Bilú Tetéia, o irreverente bloco formado por uma juventude que quis formar sua própria turma carnavalesca, uma vez que não tinham espaço no Tubão. Os desfiles de fralda e xupeta divertiam e apimentavam a disputa.
"O Bilú foi criado já nos anos 90 por um grupo de amigos que não teve espaço no tradicional Tubão. O bloco cresceu rápido. Em 1993 e 1994 fomos a sensação, batemos o Tubão. Tínhamos carro alegórico, cada dia reservávamos uma fantasia diferente, tínhamos uma animação fora de série e gritos de guerra. Nosso quartel general era espaço do Mildo Vendruscolo. Aquele tempo é que era bom", recorda a hoje secretária do Desenvolvimento Econômico e do Emprego, Juliana Rigolon.
Depois dos desfiles na avenida, o destino era um só e todos os blocos formavam um cordão apenas, com o único intuito de se divertir. Era o tempo dos bailes no Country Club.
O carnaval mexia com o imaginário da cidade e tinha adesão. Tanto que existia a matinê no Country, com a festa sendo reservada para as crianças. "O Tubão criou o Tubinho e nós do Bilú criamos o bloco infantil Armação Ilimitada", conta Juliana.
O servidor público Carlos Aberto Diez Loyolla lembra que existiam também os blocos de salão. No Country, ele lembra de um em que participou. Era a "Seita do Reverendo Mé", um bloco numeroso e bem-humorado.
Escola de Samba
"Vem, vem cantar nas asas da imaginação..." O memorável samba-enredo do poeta e compositor Edson Galvão Dias embalou muitos ensaios da Unidos da Vila Velha, uma escola formada por boêmios notáveis como Jorge Mendes Gonçalves e Antônio Lopes, entre tantas figuras queridas da Vila Velha, o centro histórico de Guaíra.
Era a escola e seus ritmistas que segurava muitas vezes as apresentações dos blocos. "A Unidos da Vila Velha vinha como uma escola mesmo. Tinha rotina de costurar fantasias, treinar ritmistas, exibir passistas e mulheres bonitas", relembra Cintia Marques, diretora de Comunicação Social e Imprensa do Município.
Por ser a única escola da cidade, contava com o respeito de todo mundo, incluindo os membros dos três grandes blocos da cidade.
Nos anos de 1994 e 1995, no entanto, o Funil resolveu deixar de ser bloco e virar uma escola de samba. E foram nestes dois anos, no mandato da prefeita Ada da Silveira, que Guaíra realizou seus dois maiores desfiles.
Carros alegóricos, sambas-enredo, ritmistas, disputa e até arquibancada. O povo lotou a avenida para assistir a uma inédita competição entre escolas de samba.
Fim
No final dos anos 90, a tradição começou a perder o embalo. Nos anos 2000, o carnaval virou apenas uma sombra do que havia sido. O Funil deixou de desfilar e coube a alguns apaixonados manter a Unidos da Vila Velha.
Em 2013, o governo municipal resolveu não mais investir no carnaval de rua para apostar no Natal da Integração. O carnaval havia perdido o apelo popular e a escola foi se desintegrando em suas dificuldades financeiras.
Vontade popular
Em muitos municípios o que era tradição foi se perdendo. Com isso, o poder público passou a deixar de apoiar também o carnaval. Mas quando a vontade popular existe, o poder público é o de menos. O carnaval de blocos de rua voltou com força em alguns municípios. E quando existe vontade popular, adesão e organização, os patrocínios surgem da iniciativa privada.
Com o crescimento e profissionalização do carnaval de rua, as marcas de cerveja passaram a aumentar os investimentos e patrocínios em blocos e na folia em cidades além do eixo Rio-São Paulo-Salvador-Recife. A Skol, marca da Ambev, patrocinará em todo o país cerca de 600 blocos, trios e festas. Ao todo, serão 30 cidades apoiadas - 10 a mais do que no ano passado - incluindo destinos menos concorridos como Porto Alegre, Vitória, Cuiabá, Manaus, Fortaleza, Belém, Teresina, Cuiabá, Porto Velho e Ribeirão Preto.
O grupo Heineken, a segunda maior cervejaria do país, informa que patrocinará mais de 300.
Se o carnaval pode ressurgir em Guaíra? Depende dos guairenses. Porque foram eles que fizeram o carnaval há mais de 50 anos.
Texto Cristian Aguazo