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Sete Quedas e o cinema: a poesia das águas nas lentes de dois diretores e nas letras de Drummond

PorCristian E. Aguazo e Jornal Rio Paranazão

 

O ano de 2017 marca os 35 anos do desaparecimento das 7 Quedas. Quem é guairense sabe da importância delas não só para nós, mas para todo o planeta, uma vez que 7 Quedas era a maior cachoeira em volume de água do mundo. Infelizmente, embora tenha sido um crime ambiental de grande magnitude, as novas gerações pouco conhecem sobre o assunto.


Há exatos 10 anos, o Jornal Rio Paranazão organizou um evento sobre os 25 anos do desaparecimento das 7 Quedas. O encontro contou com a presença do cineasta teuto-brasileiro Frederico Füllgraff, que em 1982 lançou o filme Quarup Sete Quedas, um curta-metragem que relata o fim dos saltos.


Füllgraff, que então residia em Curitiba, e Sylvio Back (também curitibano, mas hoje radicado no Rio de Janeiro) foram os únicos dois cineastas a documentarem o trágico destino das "Cataratas do Rio Paraná".


O curta de Sylvio Back foi patrocinado pelo governo do Paraná, na gestão de Ney Braga, depois de vencer um concurso de roteiro. Para quem não sabe, Sylvio Back, que completa 80 anos em 2017, é o responsável por colocar Curitiba e o Paraná no mapa cinematográfico brasileiro. Rio Paranazão chegou a entrar em contato com ele, mas por falta de verba para o pagamento do cachê, o diretor recusou o convite.


O Jornal Rio Paranazão organizou, ainda, uma edição especial sobre o fim das 7 Quedas. O texto abaixo, assinado por mim, foi publicado na oportunidade e agora modificado levemente no final, na tentativa de atualização de alguns dados.


Memória viva de paixão e contrastes

Pouca gente sabe, mas o poema "Adeus a Sete Quedas" de Carlos Drummond de Andrade acabou servindo de inspiração ao filme "Quarup Sete Quedas" (1982) e ao documentário "Desapropriados", ambos do cineasta Frederico Füllgraf. Enquanto o curta-metragem relata e registra o fim dos saltos, o doc narra a criação daquele que foi um dos embriões do MST, o movimento Justiça e Terra.

O movimento por acaso filmado era formado por arrendatários, posseiros e trabalhadores rurais que não tinham propriedades para barganhar com Itaipu e por ela serem indenizados. Mais uma história que indiretamente teve as Cataratas do Rio Paraná como personagem central...


Mas voltemos ao "Adeus a Sete Quedas". Surgido como documento artístico de um momento histórico delicado, o "poema se fez filme" - como o próprio cineasta disse na revista Caros Amigos, edição nº 60. E entre outras histórias documentadas, Frederico revela que na época se encontrou com o engenheiro Paulo Marcondes Ferraz, de quem acabou colhendo um memorável depoimento em que o engenheiro comenta sobre o seu projeto da Hidrelétrica das Sete Quedas, encomendado pelo governo João Goulart, mas engavetado pela pressão do lobby das mega-hidrelétricas. Marcondes Ferraz atestou diante das câmaras a viabilidade técnica de sua hidrelétrica, que seria construída em cascata e por etapas, inundando menos de um décimo da área submergida por Itaipu, preservando dessa maneira as milenares Sete Quedas. Mas o "Mausoléu dos Faraós", como os agricultores alcunharam a obra de Itaipu, foi construído e o resto é história, como dizem.

Quarup

Para a abertura do curta "Quarup", o cineasta registrou a dança dos guarani, o Yerökan, e ainda tentou registrar a voz de Drummond recitando o seu famoso poema (publicado no Jornal do Brasil antes do alagamento). Porém, Frederico não conseguiu realizar este sonho, já que o poeta se recusou a fazer a leitura por conta de sua timidez, elogiando, todavia, a iniciativa de Füllgraf em fazer o filme. O bardo chegou a escrever para o diretor, autorizando o uso de seu poema na película. No entanto, a voz que acabou lendo as líricas palavras do maior poeta brasileiro foi a da atriz Lota Moncada, "cujo sotaque castelhano vestiu como uma luva os versos de Drummond", como relata Füllgraf.

O que a velha Eclair 16 milímetros conseguiu captar também foram as ruínas da lendária Ciudad Real del Guayrá e cenários da triste Guaíra nos anos 80. Füllgraf descreve muito bem o que sentiu durante a gravação: "Como derradeiro ícone do centenário ciclo da erva-mate, lá estava e foi por nós decupada, nos mínimos detalhes, a ruída estação Mate-Laranjeira, erguida pela família Byington em art (déco) nas barrancas do rio. Tinha sido a estação terminal de uma ferrovia construída à margem do Paraná, onde um plano inclinado descarregava erva-mate bruta, que seguia em barcaças para abastecer Colônia Sacramento e Buenos Aires. Imaginei algum barão ervateiro açoitando indígenas, carregando seu barco pelas margens do rio, na hilariante tentativa de contornar as Sete Quedas(...) mas nenhum monumento, nenhuma placa, menção em livro escolar, nenhum vestígio, apenas fantasmas".

Anos depois, na sessão de estreia, o cineasta testemunharia mais de 500 pessoas no Centro de Criatividade de Curitiba se emocionando, endereçando palavrões à Itaipu e produzindo uma infindável ovação.

Saudades e futuro

Para além de um saudosismo estéril (que vigora em nosso município), Sete Quedas continua povoando o imaginário desta cidade. E apesar disso, e por isso também, Guaíra segue sua história, com sua cultura, com seus problemas sociais gritantes e iniciativas tardias, mas que finalmente esboçam caminhos mais concretos.


O prefeito Heraldo Trento manifestou interesse em adquirir as obras cinematográficas de Frederico e Sylvio Back, o que seria um avanço para a preservação da memória.


A construção de um Memorial à altura de 7 Quedas, no entanto, continua sendo um sonho distante.


Ou seja, muita coisa precisa ser feita, alguns tabus precisam ser discutidos e, sim, precisamos saber mais, conhecer mais e apostar mais na capacidade do município. Sem mistificação.



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Município de Guaíra
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Data de publicação: 20/03/2017


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